O Papel da Endocrinologia Pediátrica na Identificação e Tratamento de Sinais Precoces de Obesidade em Crianças

O Papel da Endocrinologia Pediátrica na Identificação e Tratamento de Sinais Precoces de Obesidade em Crianças

A obesidade infantil é uma das doenças crônicas pediátricas mais comuns, afetando milhões de crianças e adolescentes globalmente. Longe de ser apenas uma consequência de escolhas pessoais, ela é uma doença complexa, com contribuintes genéticos, fisiológicos, socioeconômicos e ambientais.

Reconhecida pela American Medical Association (AMA) em 2013 como uma doença crônica que exige atenção médica, a obesidade em crianças e adolescentes necessita de uma abordagem abrangente e precoce.

Neste cenário, o papel do pediatra e de outros profissionais de saúde pediátricos (PHCPs) é vital, não apenas na identificação, mas também na liderança de um tratamento que aborde a complexidade da doença e suas comorbidades. Este artigo, fundamentado nas diretrizes da American Academy of Pediatrics (AAP), incluindo o Clinical Practice Guideline for the Evaluation and Treatment of Children and Adolescents With Obesity, visa oferecer um entendimento mais completo e opções de tratamento eficazes para auxiliar pacientes e suas famílias.


1. Identificação Precoce e Avaliação Abrangente da Obesidade

A detecção antecipada é essencial para o manejo eficaz da obesidade infantil.

Recomenda-se:

  • Medir altura e peso;
  • Calcular o IMC;
  • Avaliar o percentil de IMC com as tabelas do CDC ao menos uma vez ao ano para crianças de 2 a 18 anos.

O IMC é uma ferramenta prática, de baixo custo, correlacionada com a adiposidade e eficaz para monitoramento ao longo do tempo.

A avaliação deve incluir:

  • Histórico médico completo, incluindo fatores pré e pós-natais e tentativas prévias de controle de peso;
  • Triagem de saúde mental e comportamental, identificando questões como bullying e ansiedade;
  • Avaliação dos determinantes sociais de saúde, como pobreza, racismo e acesso a recursos saudáveis;
  • Exame físico detalhado, com atenção a sinais como acantose nigricans e hipertensão;
  • Exames laboratoriais, como perfil lipídico, glicemia e função hepática, especialmente a partir dos 10 anos.

A comunicação deve ser não estigmatizante, com linguagem centrada na pessoa, para evitar atrasos no tratamento e fortalecer o vínculo com a família.


2. Abordagem Terapêutica Multidisciplinar e Abrangente

O tratamento deve ser intensivo, de longo prazo e baseado no modelo de cuidado crônico.

A Terapia Intensiva de Comportamento e Estilo de Vida (IHBLT) é o pilar do tratamento, sendo mais eficaz quando:

  • Realizada presencialmente;
  • Envolve toda a família;
  • Oferece 26 horas ou mais de aconselhamento em 3 a 12 meses;
  • É multicomponente, abordando alimentação, atividade física, saúde mental e habilidades parentais.

A entrevista motivacional é um recurso valioso, ajudando o paciente a identificar e reforçar sua própria motivação para mudanças.

Outras abordagens:

  • Farmacoterapia: recomendada a partir dos 12 anos em casos selecionados, como adjunto à IHBLT, incluindo opções como liraglutida.
  • Cirurgia bariátrica: indicada para adolescentes a partir dos 13 anos com obesidade grave, em centros especializados.

É importante tratar a obesidade e suas comorbidades de forma concomitante, para melhores resultados globais.


3. Educação, Prevenção e Sistemas de Cuidado

O pediatra deve orientar sobre hábitos saudáveis, como:

  • Alimentação equilibrada;
  • Prática regular de atividade física;
  • Redução de bebidas açucaradas e do tempo de tela;
  • Sono adequado.

Os sistemas de cuidado devem ser centrados na família, culturalmente sensíveis, coordenados e baseados em evidências. A transição para o cuidado adulto deve ser planejada, garantindo continuidade no acompanhamento.

As barreiras incluem falta de cobertura por planos de saúde, escassez de programas intensivos e necessidade de formação dos profissionais sobre obesidade e viés de peso. A promoção de políticas públicas é fundamental para o sucesso das estratégias de prevenção e tratamento.


Conclusão

A obesidade infantil é uma condição crônica, complexa e tratável. As diretrizes da AAP reforçam a necessidade de intervenção intensiva e precoce, substituindo abordagens passivas de espera vigilante. O sucesso no tratamento exige uma abordagem holística e coordenada, que considere os fatores biológicos, sociais e estruturais da doença, envolvendo profissionais, sistemas de saúde e políticas públicas em um esforço conjunto para garantir um futuro mais saudável às crianças.


Referências

Hampl SE, Hassink SG, Skinner AC, et al. Clinical Practice Guideline for the Evaluation and Treatment of Children and Adolescents With Obesity. Pediatrics. 2023;151(2):e2022060640.

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